01/04/14

Sobre a desjudicialização de litígios

O novo Mapa Judiciário, decidido em Conselho de Ministros, introduz uma reforma profunda no sistema judiciário português, com reflexos negativos no acesso dos utentes à Justiça e, em muitos casos, afastando-a a pontos de o negar em zonas pobres e envelhecidas do País.
É uma reforma que não vem resolver um problema chave e preocupante: havia em 2012 uma taxa de congestão nos tribunais de 200,3%, e um milhão, setecentos e vinte e quatro mil e oitocentos e cinquenta e quatro (1.724.854) casos pendentes, implicando muito mais de quatro milhões de pessoas em litígio.
Num universo de pouco mais de dez milhões de habitantes, tem um impacto social e económico muito grande, atendendo a que uma percentagem elevada é de natureza pecuniária: dívidas, indemnizações, heranças, insolvências…
Mas havendo nesse ano somente mil oitocentos e três Juízes disponíveis – e um número ainda menor de magistrados do ministério público – isto implica que cada um tem a seu cargo mais de novecentos e cinquenta casos; mesmo considerando um cenário hipotético e irrealista de cada um deles poder resolver um caso por dia, só daqui a cerca de cinco anos teriam todos os atuais casos resolvidos.
Inevitavelmente, por falta de meios humanos, muitos destes casos irão prescrever sem conhecerem sentença, deixando por dirimir os conflitos e cavando ainda mais fundo na desconfiança do Povo, no sistema que julga e aplica a Justiça em seu nome e promovendo a «justiça por suas mãos», do cada um por si, agravando a criminalidade e provocando alarme social.
O que pode e deve suscitar o debate sobre se pequenos casos de polícia devem, ou não, ser resolvidos numa outra sede – Julgados de Paz, ou outros mecanismos de arbitragem, Tribunais de Polícia… - descongestionando os Tribunais para que possam, em tempo útil, resolver os problemas mais complexos e social e economicamente mais importantes para a vida do País.
É necessário e urgente proceder à desjudicialização de litígios que podem, com vantagens para a eficácia e a celeridade na realização da justiça, estar fora dos tribunais, como prevê o artigo 209º da Constituição da República Portuguesa.
Sobre a experiência e eventual alargamento dos Julgados de Paz a resolução do conselho de ministros sobre o novo Mapa Judicial não diz uma palavra.
Pela sua importância o Movimento de Utentes dos Serviços Públicos vem submeter à consideração dos representantes do Estado, Presidente da República, Deputados da Assembleia da República e Conselho de Ministros que considerem e encarem medidas para, em tempo útil, se criem mecanismos céleres e eficazes, como os Julgados de Paz, para se retirarem dos Tribunais os pequenos casos que os congestionam.
Movimento de Utentes dos Serviços Públicos
Lisboa, 26 de Março de 2014