13/07/18

Intervenção na Conferência sobre Transportes Públicos, promovida pela Comissão de Economia, Inovação e Obras Públicas

Intervenção na Conferência sobre Transportes Públicos, promovida pela Comissão de Economia, Inovação e Obras Públicas

2.º Painel – Serviço Público de Transportes – Que Futuro?

Excelentíssimos Srs.
Falamos neste painel sobre o futuro do Serviço Público de Transportes e uma questão quero deixar clara desde o início: O Movimento de Utentes dos Serviços Públicos entende que este serviço, no essencial, deve ser público de propriedade e na sua gestão, e não apenas no acesso. Entendemos portanto que, aproximando-se a passos largos o final do período de concessões a privados, estas concessões devem ser revertidas no seguimento e completando, aliás, o que a Assembleia da República e o actual Governo fizeram ao impedirem os processos de fusão e privatização nos STCP, Metropolitano de Lisboa, Carris, Transtejo e Soflusa, e as PPP que estavam ensejadas para delapidar recursos do Estado durante dezenas de anos, como é comprovadamente inerente a esta «solução».
O actual Governo não dá mostras de ousar questionar os contratos PPP, como ainda dá cada vez mais o sinal de querer intensificar esse caminho, bem ilustrado pelos processos de renegociação do contrato da PPP da Travessia Ferroviária do Tejo com o Grupo Barraqueiro para o prolongar e beneficiar mais o referido grupo.
Vale a pena referir que a «estratégia» continua a ser a mesma dos últimos muitos anos: enormes verbas que deveriam ser investidas em transportes públicos de qualidade estão a ser desviadas para pagar as PPP rodoviárias, e isto apesar das centenas de milhões de euros que são pagos em portagens directamente pelos utilizadores. A Infraestruturas de Portugal em 2017 teve de suportar 1 177 M€ de custos com as PPP, custos que só não foram maiores porque adiou o cumprimento de decisões de «reequilíbrio financeiro das concessões» já decretadas por «tribunais» arbitrais e adiou as obras de manutenção que os concessionários transferiram para a responsabilidade da I P nas últimas renegociações de contratos. Portanto... há dinheiro!
Os impactos do encerramento de linhas de caminho de ferro e de outros serviços públicos essenciais são de tal modo drásticos no interior do país – desertificação, envelhecimento, economia debilitada e até os incêndios - que alguns dos autores por acção ou omissão desta política, aparecem agora - como que em acto de contrição – muito preocupados com o abandono e já estão com ideias a fervilharem para «inverter» a situação. Mas são os mesmos que no mesmo passo em que eliminavam o comboio, construíram autoestradas portajadas através das famosas PPP rodoviárias, que as populações contestam por não serem uma saída para a sua vida e por prejudicarem – em vez de beneficiarem - a economia das suas regiões. Veremos o que nos reserva o futuro!
Não é possível falarmos do futuro sem levar em conta o presente. E a situação nas empresas de transportes públicos é grave, afecta muito negativamente os seus utentes que pagam caro um serviço em constante degradação e sacrifica os seus trabalhadores cujo número se reduz continuamente. Para não falar dos efeitos colaterais que um péssimo serviço de transportes tem na economia, na saúde e, em geral, na organização da vida em sociedade.
As políticas de transportes são importantes para a vida das pessoas. A cidade só existe para quem se pode movimentar nela. Se o transporte público é o meio público que nos permite aceder a quase todos os direitos humanos – alimentação, saúde, educação, cultura – quando nos retiram os transportes públicos, retiram-nos o acesso aos bens e serviços necessários às nossas vidas.
A supressão de carreiras e circulações urbanas e suburbanas na CP, na Carris, nos STCP, na Transtejo e Soflusa, tornou-se uma realidade praticamente rotineira. Os tempos de espera no Metropolitano atingem níveis que nos fazem esquecer a ideia de que viajamos de metro para poupar o tempo e os «nervos» que gastamos viajando à superfície. As condições de viagem naquelas empresas são, muitas vezes, degradantes e até inseguras, como é o caso nas embarcações que fazem a travessia do Tejo e na Linha de Cascais da C.P. em que material circulante com mais de 50 anos só circula graças aos «milagres» dos trabalhadores da EMEF e da CP.
Verificamos o progressivo afastamento dos utentes da progressivamente reduzida oferta dos transportes nas áreas metropolitanas, conforme os resultados provisórios do Inquérito à Mobilidade nas Áreas Metropolitanas do Porto e de Lisboa, realizado pelo INE em 2017, em que o transporte individual motorizado(ligeiro) é o principal meio de transporte utilizado em deslocações.
Esta elevada utilização do transporte individual - que não tem comparação com outras áreas urbanas de dimensão semelhante - radica, entre outras razões que já se verificavam antes, na eliminação de carreiras e modos de transporte, na redução de horários de circulação, na degradação do material circulante e nos preços pagos e sistema de tarifas. Acresce que em ambas as Áreas Metropolitanas há muitos milhares de pessoas que, ao fim de semana, estão em autêntico recolher obrigatório porque a única carreira de transporte colectivo – concessionada a privados – pura e simplesmente não circula.
Se a oferta é a que é, não admira que as pessoas optem pelo transporte próprio ou até mesmo se vejam na necessidade de adquirir um veículo para realizarem as deslocações para trabalharem ou estudarem, onde já tiveram, em tempos, transportes colectivos.
Quando falamos do futuro temos que falar da organização, gestão e financiamento. É necessário que o Estado assuma responsabilidades. A prestação do serviço público deve ser feita por entidades públicas geridas com competência e com apoio do Estado para assegurar o direito à mobilidade e à qualidade de vida das populações. A receita tarifária não é, em lado nenhum da Europa, o factor fundamental do financiamento das empresas de transporte público — não é! —, mas as tarifas dos transportes são um factor fundamental para atrair ou para afastar utentes do transporte público.
No futuro imediato, é absolutamente necessário tomar medidas que recuperem utentes para os transportes públicos, reduzindo preços e aumentando a sua oferta e qualidade. Mas isso só será possível com a vontade política para resolver problemas estruturais, como ter o número de trabalhadores necessários à operação e à manutenção e reparação do material circulante, investir nas frotas e infraestruturas com definição de prioridades urgentes mas integrando-as nos projectos de desenvolvimento das redes.
É urgente contratar mais e mais trabalhadores e respeitar os seus direitos, salvaguardando a contratação colectiva e permitindo o seu alargamento aos trabalhadores que hoje não a têm.
É essencial a integração plena das várias empresas operadoras em sistemas metropolitanos de transportes, com reflexo imediato na definição de preços mais justos e atractivos, terminando com a discriminação que hoje se verifica na política tarifária, nomeadamente através de preços muito diferentes por quilómetro percorrido no mesmo modo.
É primordial o envolvimento e a articulação efectiva com os vários municípios servidos por esses sistemas metropolitanos, que têm uma palavra a dizer sobre as opções estratégicas.
É para nós muito claro o que seria a privatização do sistema de transportes públicos, pois a política de transportes das últimas décadas que consumaram privatizações, concessionaram fatias lucrativas a privados, ignoram os desmandos dos concessionários privados (por exemplo os TST) e degradaram os serviços prestados por operadores públicos, conduziram os transportes públicos à situação que temos hoje. Por isso rejeitamos que este seja o caminho para o futuro.
Gostaria ainda de falar sobre um projecto do Metro de Lisboa, apoiado pelo Governo e pela Câmara Municipal de Lisboa, e que é a construção da Linha Circular, isto é, a transformação das Linhas Verde e Amarela numa linha circular entre o Campo Grande e Cais do Sodré, com a criação de duas estações (Estrela e Santos) e a redução da Linha Amarela à ligação Telheiras/Odivelas.
Do ponto de vista do planeamento da mobilidade na Cidade de Lisboa, não podemos deixar de apontar que esta solução virá degradar ainda mais a oferta de transporte de metro à população da Zona Norte de Lisboa e também à população de Odivelas e de Loures servida pela Linha Amarela, com uma mudança de comboio obrigatória no Campo Grande para qualquer trajecto de ligação às zonas mais centrais da cidade.
Ainda que exigindo um investimento público muito elevado, esta é uma obra que não acrescentará nada de significativo à Rede de Metro actual, não resolvendo os problemas de isolamento de diversas zonas da Cidade e não contribuindo para aproximar os concelhos limítrofes ao centro da Cidade.
Na nossa opinião e na verdade, estamos perante uma utilização pouco criterioso dos recursos disponíveis, que deveriam ser utilizados prioritariamente na resolução dos inúmeros problemas que hoje se colocam na circulação do Metro de Lisboa e bem conhecidos dos utentes no seu dia a dia.
Cecília Sales, Grupo Permanente do Movimento dos Utentes dos Serviços Públicos
11 de julho de 2018