
Proposta de Lei nº
287/XII//4ª (Gov)
Novo Regime
Jurídico do Serviço Público de Transporte de Passageiros
(Parecer)
Está em
discussão na Comissão de Economia e Obras Públicas a Proposta de Lei nº
287/XII/4ª (Gov) que aprova o Regime Jurídico do Serviço Público de Transporte
de Passageiros.
Esta é uma
proposta que, a ser aprovada, irá ter grandes implicações na vida quotidiana das
pessoas e na sua economia familiar. Assim, a sua aprovação deveria ser
antecedida de um grande debate público e um grande diálogo entre todas as
partes interessadas, nomeadamente, o governo, as autarquias, os trabalhadores
do setor e os utentes.
Pelo
contrário, o Governo pretende que esta proposta de lei seja rapidamente
aprovada sem dar tempo a que um verdadeiro debate público seja efetuado e feita
a avaliação dos impactos que a concretização desta lei irá provocar no imediato
e no longo prazo.
O preâmbulo
do Decreto-Lei reconhece que o Regulamento (CE) n.º 1370/2007 apenas impõe a
celebração de contratos de serviço público entre o Estado e os prestadores
públicos de transporte, contratos onde se definam os níveis de serviço público
e os montantes das indemnizações compensatórias a pagar por esse serviço
público. E até reconhece o que está escrito nos tratados europeus: que para a União
Europeia é formalmente irrelevante se os serviços públicos são assegurados por entidades
públicas ou privadas.
No entanto
o Governo continua a optar pelo caminho
da «concorrência regulada», ou seja, da entrega da exploração do serviço
público de transporte ao capital privado através de concessões. É uma opção
errada, e que onde foi imposta causou enormes prejuízos aos utentes, ao estado
e aos trabalhadores. É a opção das grandes multinacionais europeias que
almejam gerir todos os sistemas de transportes na europa e assim cobrar
avultadas rendas aos povos. É uma opção que deve ser combatida e derrotada.
Essa opção
errada que o Governo quer impor – com consequências desastrosas para os utentes
e para o erário público – promove ainda uma extraordinária precariedade nos atuais
prestadores privados de transportes públicos rodoviários, apontando para o fim
das atuais concessões (renomeadas de autorizações) até o final de Dezembro de
2015 e a sequente colocação em concurso público de todas elas, em formas múltiplas
e diversas ainda a estabelecer, que podem ser municipais, intermunicipais ou
regionais, mas que acarretam inevitavelmente riscos para as atuais empresas privadas detentores
das concessões como para os trabalhadores dessas empresas.
Por outro lado, e mais uma vez, o Governo
transfere competências para as Autarquias mas sem transferir as verbas
correspondentes do Orçamento de Estado. Com esta transferência de competências
para as Autarquias, Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto e Comunidades
Intermunicipais iremos ter, potencialmente, cerca de 330 Autoridades de Transporte
no espaço nacional.
No caso da
extinção da AMTL e AMTP, transfere as suas competências e trabalhadores para a
AML e AMP, mas transfere apenas as verbas para 2015, apontando que a partir
deste ano devem as autarquias arranjar novas receitas. É também transferido
para as autarquias a responsabilidade de suprir as indemnizações compensatórias
pela prestação do serviço público. Estas medidas, destinadas a sufocar
financeiramente as autarquias e as empresas públicas, são completamente
inaceitáveis, para mais quando é o Estado Central o grande cobrador dos
impostos pagos pelo povo, impostos que devem ser alocados à prestação dos
serviços públicos e não expropriados para garantir o pagamento de rendas ao
capital financeiro e aos grandes grupos económicos e das PPP, dos juros, das
swaps, de submarinos, etc..
A
transferência de responsabilidade de financiamento do sistema do OE para as
autarquias significa um pior serviço e custos mais elevados para os utentes
e/ou encargos fiscais ou parafiscais suplementares para os cidadãos.
A ser
implementado este sistema estarão em causa custos sociais consideráveis. A atratividade
efetiva do sistema de transporte público em relação ao individual será reduzida,
ou seja, vai haver menor confortabilidade dos equipamentos de transportes como
dos espaços urbanos públicos e uma menor competitividade nacional no plano
internacional, com mais custos energéticos e um maior impacto ambiental
negativo.
Por outro
lado, o investimento em infraestruturas e equipamentos a ser transferidos para
os operadores privados, estes não deixarão de fazer repercutir tais encargos
nas tarifas passando a responsabilidade para os utentes e autarquias.
Entretanto,
é intenção do Governo concessionar/privatizar as Empresas de Transporte Público
de Lisboa e Porto antes da concretização da transferência de competências para
as respetivas Áreas Metropolitanas, sem que haja uma avaliação do que
efetivamente vai ser transferido.
Não é claro
o grau de articulação e contratualização efetiva entre as atribuições e as
competências das administrações central e local bem como pelas Áreas
Metropolitanas e Comunidades Intermunicipais. Também não é claro quem é o
acionista, a autoridade de transportes e o regulador.
Finalmente,
não é avaliado o contributo que o novo sistema de transportes vai ter no que
diz respeito à coesão territorial e socio económica no todo nacional. Quanto a
nós irá haver impactos muito negativos no direito das populações à mobilidade, nas
atividades económicas e consequentemente no desenvolvimento do país. É muito
grave que não seja feita a sua avaliação préviamente à aprovação da proposta de
lei.
Assim, pelo
que foi anteriormente explicitado, o Movimento de Utentes dos Serviços Públicos
– MUSP manifesta a seguinte posição:
1.
Reclama que uma reforma como esta com grande
impacto na vida quotidiana das pessoas e na sua economia familiar, só deveria
ser aprovada e implementada depois de um amplo e esclarecedor debate público e
um grande diálogo entre todas as partes interessadas, nomeadamente, a
administração central, as autarquias, os trabalhadores do setor e os utentes;
2.
Rejeita que o financiamento do sistema de
transportes seja transferido para as autarquias e os utentes através da criação
de novos impostos e taxas com repercussões negativas nas economias das
famílias;
3.
Rejeita que o Governo prossiga na concretização
da concessão/privatização das Empresas Públicas de Transporte que operam nas
Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto;
4.
Rejeita que se criem, potencialmente, cerca de
330 autoridades de transportes com zonas de competências eventualmente
conflituantes, nos níveis municipais, intermunicipais e nacionais. Desta
situação seriam beneficiados os operadores privados em detrimento das autarquias,
dos utentes e dos trabalhadores do setor.
5.
Reclama que seja implementada uma política de
transportes públicos que sirvam as populações a custos acessíveis a todos e com
a qualidade adequada para desincentivarem a utilização do transporte individual
a bem da qualidade de vida e de trabalho e de um ambiente saudável.
Por tudo o exposto, parece-nos de uma
elementar prudência submeter esta proposta de lei a uma efetiva discussão
pública, ficando desde já registada a nossa oposição a questões estruturantes
do seu conteúdo, como ficam resumidas neste texto.
Lisboa, 23 de março de 2015
Movimento
de Utentes dos Serviços Públicos - MUSP